Burocracia para regularizar criatórios de aves facilita comércio ilegal em AL

Por
Carolina Sanches

Burocracia para regulamentação impede novos criadores no estado. Falta de oferta contribui para o tráfico, dizem especialistas.

Criador José Mauro mostra seus curiós em área construída
em sua casa. (Foto: Jonathan Lins/G1)

A paixão pelos pássaros começou quando José Mauro Silva tinha 10 anos. Apesar de gostar de muitas espécies de aves, foi pelo curió que ele se encantou. E há mais de 25 anos, o então sargento do Exército passa seu tempo livre cuidando e admirando a ave. “O canto do curió é muito agradável bom de ouvir, melodioso, semelhante ao de um violino”, destacou.

Silva já participava de grupos de criadores e possuía alguns animais quando conseguiu licença para montar um criatório amador em 2002. Atualmente, o espaço construído na parte dos fundos de sua casa conta com 31 animais. O local segue todas as normas estabelecidas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Além do registro junto ao órgão, o sargento diz que é preciso seguir regras e todo o processo determinado pela lei. Com a regularização, assim que os filhotes nascem, recebem anilhas de identificação que têm informações tanto sobre a espécie como sobre o criador por meio do número do registro. “Quando comecei a criar havia mais facilidades, mas depois da lei complementar 144, que aumentou as exigências, a autorização ficou mais difícil. Para comprar, muitas veses temos que ir a outros estados”, comenta.

Criador coloca anilha em pássaro com sete dias de vida. (Foto: Jonathan Lins/G1)

Ele explica que a criação de aves exige muitos cuidados e dedicação. Há algum tempo o criador tenta uma autorização para comercializar animais, mas não consegue porque o processo está em fase de transição. Antes, o Ibama era responsável por isso, mas agora será feito pelo Instituto de Meio Ambiente (IMA). “Espero que com a mudança para o Estado possamos ter mais facilidade. Tenho todas as atribuições para comercializar, mas há sete anos não é liberado para ninguém”, disse.

Em Alagoas, existem cerca de 350 criadores amadores de pássaros, mas apenas um criatório com autorização para comercialização. Ele fica na cidade de Palmeira dos Índios e existe desde 2005 com autorização para sabiá da mata e curió. O proprietário do local, Ricardo Pimentel Ramalho, conta que adquiriu o criatório no ano passado de outra pessoa. Ele também falou sobre a dificuldade em conseguir uma autorização no estado.

“A criação de pássaros cativos é um importante mecanismo para assegurar a existência de algumas espécies, contribuindo para a preservação da biodiversidade e possibilitando a reintrodução de espécies ameaçadas de extinção ou mesmo extintas em seu habitat. Mas há muito tempo que está fechado para novos criadores”, reclamou.

Pássaros são criados em local adequado e regulamentado. (Foto: Jonathan Lins/G1)

Ramalho disse que, ao adquirir animais de criatórios, contribui-se para não alterar o equilíbrio ambiental. “As pessoas precisam entender que não podem comprar o pássaro de forma ilegal. Além de não ter procedência, isso ajuda a aumentar a ilegalidade. Já quando o animal é de local regulamentado, por ter nascido em cativeiro, a compra não provoca instabilidade na cadeia do bioma”, falou.

Ibama era responsável por autorização


Antes, para se tornar um criador amador ou comercial, era preciso fazer um cadastro e obter registro no Ibama. Esses criatórios existem legalmente desde 1993. Em 2008, uma instrução normativa ampliou as categorias de pessoas passíveis de ter ou criar animais silvestres: criadores científicos para fins de conservação; para fins de pesquisa; e mantenedores de fauna silvestre.

Para estabelecimento que comercializa animais, a norma do Ibama obrigou o registro, em um banco de dados do órgão, de toda venda realizada, inclusive os dados do comprador. O Ibama também proibiu que criadores de pássaros, amadores ou não, criem outras espécies animais.

Em dezembro de 2011, com a publicação da lei complementar, a gestão passou para o Estado. Segundo o analista ambiental do Ibama e veterinário, Marius Belluci, as dificuldades estão em vários aspectos. Primeiro porque a documentação é bastante extensa e depois porque o que é exigido para se montar um criatório muitas vezes esbarra em detalhes de legislação, na disfuncionalidade do poder público. “Existe muita gente no Ibama que não concorda com a venda de animais silvestres. Isso acaba deixando a condução dos processos muito individual, de acordo com o entendimento de cada técnico”, observou.

Arara apreendida em fiscalização está no Ibama. (Foto: Carolina Sanches/G1)

O analista do órgão explicou que, desde 2007, nenhum criatório comercial de fauna silvestre brasileira com a finalidade de estimação foi incluído na lista do Ibama. Mas destacou que isso não se refere a lojas que comercializam, que possuem exigências menores e só mantêm o animal até a venda. A principal exigência é que a loja só compre de criador autorizado para a venda.

“Da mesma forma que existe autorização para criatório, existe para comerciante. As exigências são menores, mas necessárias pela necessidade de se mapear o sistema. No momento em que o animal é fornecido com nota fiscal, o Ibama já está fora dessa esfera. O controle que o órgão faz é em cima de quem criou. É ele que repassa quantos pássaros ele vendeu e para onde o animal foi enviado. Se não houver nenhum tipo de controle, fica praticamente impossível para o Ibama ter o controle da espécie”, explicou. 

Dificuldades na legalização facilitam tráfico


A caça, mesmo que seja para montar um criatório, é crime ambiental no Brasil sujeito a multa e detenção. Somente é autorizada a compra de tais animais em criatórios ou lojas autorizados pelo Ibama. Mas esta postura do órgão ambiental para diminuir o impacto provocado pelo tráfico de animais silvestres não fez com que a ilegalidade perdesse força. E este tipo de comércio fora da lei só perde, em receita, para o de armas e o de drogas, segundo a polícia especializada.

Analista do Ibama mostra Centro de Tratamentos
 de Animais. (Foto: Carolina Sanches/G1)

Marius Belluci acredita que, se houvesse mais oferta de lojas autorizadas, o tráfico diminuiria. “Existe um entendimento de que o comércio legal estimula o tráfico, mas é importante destacar que o que regula qualquer comércio é a oferta e a procura. Basta que a gente facilite a criação legal de pássaros que o preço cai e os traficantes não vão ter uma procura tão alta”, observou.

Ele citou o exemplo de quando muitos criadores comerciais de papagaio foram autorizados, em 2000, o  custo era de R$ 2 mil. Sete anos depois, quando já havia muitos animais reproduzidos, esse preço caiu bastante. “Sem a autorização para novos criatórios comerciais, alguns acabaram desistindo e o preço subiu novamente”, disse.

Belluci acredita que a transferência da regulamentação para o IMA pode tornar o processo menos burocrático e aumentar o número de autorizações. O processo ainda está em fase de transição porque técnicos do instituto estão sendo capacitados para a nova atribuição. De acordo com o diretor-presidente do IMA, Adriano Augusto, ainda não há prazo para que isso comece a ser feito, mas o órgão já está fazendo um levantamento e se preparando para atender aos possíveis criadores.

Animais apreendidos em comércio ilegal chegam
ao Ibama doentes. (Foto Carolina Sanhces/G1)

O criador comercial Ricardo Ramalho disse que o tráfico dos pássaros desestimula muitos criadores como ele. “As pessoas ficam muito preocupadas com o preço, mas não sabem que em um criatório é gasto muito tempo e recurso para que saia um pássaro saudável e com procedência. Também acho que a fiscalização deveria ser maior no estado para coibir a ilegalidade”, reclamou.

Fiscalização não consegue atender demanda


Apesar do trabalho constante do Ibama e do Batalhão de Polícia Ambiental (BPA), a falta de pessoal e de estrutura não permite que haja uma fiscalização efetiva no estado. Constantemente, o BPA realiza operações em feiras livres da capital e interior, mas como o setor é responsável por diversas atividades, isso é dividido com outras atividades.

A tenente Djane, do BPA, explicou que a maior parte das apreensões são em feiras livres e que, além de expor o animal para a venda por preços diversos, os vendedores ainda recebem encomendas. “Essa nova modalidade de venda dificulta a fiscalização porque o comprador só vai à feira para combinar a compra, mas o animal é entregue em outro local”, disse.

Tenente Djane, do BPA, diz que feiras livres
 são alvo de ações. (Foto: Carolina Sanches/G1)

Neste ano, até o mês passado, o Batalhão havia apreendido 2.473 pássaros silvestres no estado. No mesmo período do ano passado, foram apreendidos 3.307. Segundo a tenente, a redução não significa que as pessoas estão deixando de vender ilegalmente, mas que houve uma diferença na atuação do órgão em um dos meses que diminuiu o número de apreensões. Dentre os pássaros mais comuns em apreensões estão guriatã, canário da terra, papa capim, galo de campina, curió e caboclinho.

Dentre os locais de maior comercio está Arapiraca, seguido da capital, Delmiro Gouveia e Palmeira dos Índios. “O problema é que a criação de pássaro é muito antiga e as pessoas não têm tanto conhecimento sobre a ilegalidade. Apesar de ser um tráfico semelhante ao de droga, no que se refere ao dinheiro, ele não é considerado ilegal por muitos. Essa falta de consciência prejudica o trabalho”, falou.

Djane disse que muitos dos animais que são apreendidos estão mortos ou doentes. “Os animais ficam em gaiolas pequenas, muitas vezes amontoados e passam muito tempo sem comer. Outro problema é que os donos acabam abandonando o animal quando percebem a aproximação da polícia e até jogam as gaiolas”, disse.

Pássaro apreendidos em feiras livres de Alagoas. (Foto: Divulgação/BPA)

O pássaro apreendido é levado para o Centro de Tratamento de Animais Silvestres (Cetas) do Ibama para receber os cuidados necessários. Se depois de ser tratado tiver condições, pode ser devolvido para a natureza. O analista Marcius Belluci explicou que muitos dos animais que chegam ao órgão foram vítimas de maus tratos. “Alguns estão sem visão por ação dos próprios vendedores, que fazem isso para que eles cantem mais. Outros estão feridos porque foram transportados em locais inadequados”, falou.

Quem quiser solicitar resgate ou denunciar cativeiro ou venda ilegal de pássaro silvestre no estado, pode ligar para o BPA pelos números (82) 3315 4325 ou (82) 8833 5879.

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