Por
Valéria Feitosa
Pássaro Bicudo |
Os criadores de pássaros no Ceará realizam trabalho de referência no País na preservação das aves.
Se depender dos criadores autorizados pelo Ibama, as aves das espécies Curió, Bicudo e Caboclinho estão preservadas por muitas décadas. Isto porque estes pássaros, quando criados em cativeiro, respeitando todas as condições de bem-estar animal, vivem por 40 anos ou mais. Nas florestas e matas, devido aos predadores naturais e à crescente degradação ambiental, com desmatamentos e queimadas, eles só conseguem sobreviver por 5 a 8 anos. No Estado, um dos principais protetores dessas aves são os filiados da Associação Ornitológica do Ceará (AOC). A entidade atua desde 1976 e conta com cerca de 130 associados. A grande maioria em Fortaleza, mas também em cidades como Horizonte, Pindoretama, São Benedito e Eusébio.
O presidente da AOC, Dalber Landim, diz que além da preservação das espécies, o principal motivo que mobiliza os criadores é também preservar a beleza do canto dessas aves. São cerca de quatro torneios por ano com provas de classificação dos melhores cantos de Curió, Bicudo e Caboclinho. Os eventos são autorizados pelo Ibama, mediante solicitação da Associação. Todos são pássaros anilhados. Ainda filhotes, as aves recebem as anilhas no pé, com informações sobre ano de nascimento, número de identificação junto ao Ibama e Estado de origem. O trabalho é eficaz no combate ao tráfico das espécies. "A anilha garante que o pássaro não é resultado do tráfico, um crime ambiental", afirma Landim.
O Ibama classifica os criatórios de aves em dois tipos: comercial, com estrutura maior, veterinário responsável e número ilimitado de unidades de aves; e amador, onde o criador pode movimentar até 50 aves por ano, podendo se cadastrar no Sispass (Gestão de Criadores de Passeriformes Silvestres), pela internet, no site do Ibama, depois que do pagamento de taxa. A Licença do Criador Amadorista de Passeriformes da Fauna Silvestre Brasileira segue as normas da Instrução Normativa 01/03.
Segundo Dalber Landim, a Associação reúne apenas os criadores amadores, que seguem rigorosamente as determinações do Ibama para a atividade. Ele explica que a criação começa com a aquisição do filhote com 45 a 50 dias junto aos criatórios cadastrados. O manejo é simples. Segue uma combinação de cuidados com boa alimentação, higienização, vermifugação e administração de vitaminas e suplementos alimentares.
A nutrição ocorre por meio de ração balanceada à base de sementes de alpiste, painço, senha, perila etc. O cardápio inclui ainda minerais, com ingestão de areia, cálcio e carvão, uma mistura já comprada pronta que facilita o processamento do alimento na moela da ave, diante da ausência de dentes para a mastigação.
Criar aves para serem cantoras em torneios é uma arte que exige amor e dedicação. Conforme explica Luís Paiva, diretor da AOC para o canto de Bicudo, assim como os cantores humanos, os pássaros têm voz e estilo próprios de interpretação. Para isto, eles são "ensinados" a entoar a melodia de forma cada vez mais harmoniosa. "O ensinamento busca cada vez mais a qualidade do canto", afirma. O chamado trabalho de encarte do canto, que é quando o pássaro passa a aprender a melodia, destaca notas musicais que a ave já entoa no ambiente natural. Porém, o canto encartado não é 100% natural.
"No ambiente natural, as aves têm cantos próprios, semelhantes aos das espécies criadas em cativeiro. A diferença é que as notas consideradas mais bonitas pelo ouvido humano são mais destacadas no canto encartado", explica ele. A dedicação dos criadores revela-se no processo de ensinamento, que pode acontecer por duas formas: por meio de instrutores, quando a ave ainda filhote ouve pássaros adultos que já cantam com perfeição; ou por meio de CDs, com cantos de instrutores.
O processo já começa com poucos dias de nascimento da ave. Quando o criador adquire a ave já há um processo iniciado de encarte. Quando o pássaro já consegue emitir o canto completo, torna-se apto a participar dos torneios. Há aves precoces, que já conseguem cantar com perfeição aos 60 dias de nascidas. Porém, segundo Paiva, na média, isto só ocorre a partir dos 6 meses de vida.
Ele afirma que, para cada modalidade de canto, existe um conjunto de notas a ser emitido. Isto determina os critérios de classificação em um torneio. Para um Curió, por exemplo, a melodia tem notas musicais que, "traduzidas" à linguagem humana, equivale ao som "vo, vo, vim, vim, teo, teo, teo, teo, pom, pom". Esse canto é regionalizado para todo o Nordeste. É definido como canto Goiana, nome de uma cidade pernambucana, onde originou-se a modalidade. Para as espécies Curió e Caboclinho, as melodias são regionalizadas, diferente do Bicudo, que segue um padrão válido em todo o País.
É interessante perceber que cada pássaro tem seu estilo próprio de interpretação. Alguns são mais agudos, ou graves, lentos, mais ligeiros, ou apresentam tons mais metalizados, aveludados, flauteados ou secos. O Bicudo "Beira-Mar", do criatório de Paulo e Luís Paiva, conseguiu se classificar em segundo lugar na prova de Canto Goiano Clássico do Torneio Nacional de Ribeirão Preto. O evento é considerado o maior do País na modalidade. Uma ave campeã chega a ser cotada por R$ 35 mil.
Também existe um tipo de torneio no qual avalia-se a disposição da ave para cantar no tempo determinado para a competição. É o chamado torneio de fibra, que classifica o pássaro que mais cantar no tempo da prova. "Aqui não interessa a qualidade do canto, mas a disposição da ave, o seu desempenho no tempo determinado", observa Paiva.
A AOC promove periodicamente eventos para os criadores, com cursos e palestras sobre como melhor cuidar das aves e ainda como treiná-las para a atividade de canto. O intercâmbio possibilita uma padronização nos criatórios, com vista à preservação das espécies.
MANEJO - Criatórios mantêm espécies variadas
Fortaleza A Associação Ornitológica do Ceará (AOC) também reúne criadores de outras espécies de aves, como Sabiá, Galo de Campina, Cardeal, Trinca-Ferro, Azulão e Coleirinha. Todas são reproduzidas em cativeiro, sob a autorização do Ibama. Conforme o diretor de canto de curió da AOC, Marcos Martins, criador da espécie há 43 anos, o tráfico de pássaros é a terceira maior fonte de renda ilegal no País. Assim, ele avalia que uma das formas mais eficazes para combater este crime é a criação das espécies em cativeiro, observando as condições de bem-estar animal.
As aves de cativeiro não ficam somente numa pequena gaiola. Os criatórios dispõem de voadeiras, de até dois metros, onde os pássaros podem exercitar a necessidade de voo. O diretor da AOC, Luiz Paiva, explica que as gaiolas são utilizadas mais nos momentos dos passeios, nos encontros de criadores. Os pássaros apreciam o convívio no ambiente natural, ensolarado, ventilado e arborizado, expressando a satisfação por meio do canto. Essa manifestação de bem-estar é observada facilmente nos encontros semanais que o grupo de criadores faz nas manhãs de sábado, no parque de exposições da Secretaria do Desenvolvimento Agrário, em Fortaleza.
"O pássaro expressa o seu bem-estar pelo canto e pela capacidade de reprodução. Se ele está triste ou doente, não canta nem reproduz", diz Paiva. Segundo ele, nos criatórios o que mais se observa são os dois primeiros comportamentos. Há casos de pássaros em cativeiro que continuam em plena atividade de cantar e de se reproduzir por 30 anos. "Com zelo e ambiente adequado, a vida útil da ave é muito longa", destaca Martins.
Conforme Paiva, assim como os cães ou gatos, os pássaros reproduzidos em cativeiro também já têm o ambiente humano como o natural. Se forem soltos na natureza não conseguem sobreviver por dois dias. de acordo com o presidente da Associação, Dalber Landim, muitas espécies de aves, bem como de outros animais, só estão preservadas devido a reprodução em cativeiro.
Motivação
"Preservar a beleza do canto desses pássaros nos motiva a manter os criatórios"
DALBER LANDIM Presidente da Associação Ornitológica do Ceará (AOC)
"O pássaro expressa o seu bem-estar pelo canto e pela capacidade de reprodução"
Luís Paiva
Diretor de canto de Bicudo da AOC
"Crio pássaros há 43 anos porque tenho embasamento legal para a atividade"
Marcos Martins Diretor de canto de Curió da AOC
MAIS INFORMAÇÕES
Associação Ornitológica do Ceará, Dalber Landim: (85) 9987.8675; Luis Paiva: (85) 8899.8421; Marcos Martins: (85) 8802.3586
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Fonte: http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=745597
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