As Escherichias causadoras de diarréias

Quarta-feira, 04 de maio de 2011

Por
Dr. José Carlos Pereira


Há um grupo de bactérias chamadas Enterobacteriáceas porque vivem no intestino (entero = relativo ao intestino), principalmente no cólon, embora possam também colonizar outros habitats. Têm a forma de bacilos (bastonetes), vivem em ambiente com oxigênio (aeróbias) ou sem ele (anaeróbias facultativas), fermentam a glicose produzindo ácidos e gases, possuem cromossomo com duas hélices de DNA e algumas apresentam flagelos que facilitam a movimentação. Resistem ao ambiente ácido do estômago e ao ambiente  alcalino, detergente (determinado pelos sais biliares) e rico em enzimas do intestino delgado. Algumas são apenas comensais e outras podem ser extremamente patogênicas como as Salmonellas, as Shigellas, a Edwardsiella, o Citrobacter e a Yersinia. São resistentes a muitos agentes físicos, mas podem ser mortas pelo calor de 54.5 graus centígrados por uma hora ou 60 graus centígrados durante15 minutos. Permanecem viáveis alguns dias na temperatura ambiente ou nas baixas temperaturas e durante semanas no esgoto, alimentos secos, agentes farmacêuticos e material fecal. São bactérias de grande plasticidade genética que permite viverem em vários habitats. Na superfície contêm três antígenos: o somático (O), o flagelar (H) e o capsular (K) que servem para os testes sorológicos para a identificação. Os fatores de resistência situam-se em plasmídeos que passam de uma bactéria a outra, o que, explica a facilidade de resistência dessas bactérias aos antibióticos mais usados nos consultórios, hospitais e na pecuária.  Nos países temperados ocorrem mais nos meses quentes e nos trópicos nos meses mais chuvosos, os meses que contêm a letra R no seu nome.

Nos humanos, a E. coli é uma das três principais causas de diarréia em todo o mundo, sendo as outras duas o Campylobacter e o Rotavírus. É responsável por mais da metade dos cinco milhões de casos anuais da diarréia dos viajantes, como o Casablanca crud, o Delhi belli, o Turkey trot, o Aztec two-step e, o mais famoso, a vingança de Montezuma. 

As Escherichias são divididas em cinco variedades capazes de provocar doenças diarreicas por mecanismos diferentes: 

E. coli enterotoxicogênica (ETEC), provoca doença por ação de potentes toxinas que não matam as células da parede intestinal, mas provocam alterações nos seus mecanismos de absorção de água e eletrólitos. Adere firmemente às células facilitando a colonização. É o agente mais comum da chamada diarréia dos viajantes e uma das principais causas de desidratação por diarréia em crianças nos países em desenvolvimento. Os sinais típicos são diarréia líquida explosiva, náuseas, vômitos, dor abdominal, febre baixa (ou sem febre) e que persistem por alguns dias;

E. coli enteroinvasiva (EIEC), atua, como a Shigella, fixando-se e invadindo as células que revestem o intestino. A clínica é de febre, cólicas abdominais, que podem ser muito fortes, sinais gerais de toxicidade, tenesmo (esforço doloroso para evacuar) e diarréia aquosa e sem sangue, mas, algumas vezes, pode ser sanguinolenta;

E. coli enteropatogênica (EPEC), não atua por toxinas e nem pela invasão celular. Age fixando-se às células e lesando as microvilosidades responsáveis pela absorção da água e dos eletrólitos. É importante causa de diarréia em crianças dos países em desenvolvimento, principalmente entre os neonatos, os menores de 2 anos de idade e crianças institucionalizadas. A diarréia não se apresenta com sangue, é aquosa, mas tem catarro e, geralmente, não há febre. Pode evoluir para a cronicidade prejudicando o crescimento da criança;

E.coli enterohemorrágica (EHEC), produtora de toxinas, uma delas semelhante à toxina de Shiga das Shigellas, com grande poder de destruição das células dos mamíferos. É responsável, principalmente o serotipo O157:H7, por uns 20000 casos de colites, muitas vezes hemorrágicas, nos Estados Unidos. A clínica é de diarréia inicialmente aquosa evoluindo, em poucos dias, para sanguinolenta (sangue vivo ou oculto), dor abdominal intensa e, diferentemente da EIEC, a febre não é muito comum. Pode complicar, principalmente em crianças pequenas e nos idosos, com a síndrome hemolítico-urêmica (anemia por destruição das hemácias, queda das plaquetas e insuficiência renal) e e- E. coli enteroagregadora (EaggEC), atua pela adesão às células e produção de toxinas. A clínica é de diarréia com grande perda de líquidos e eletrólitos que leva rapidamente à desidratação, mas os vômitos e o sangue nas fezes não são freqüentes. Geralmente o quadro é prolongado, como acontece com a EPEC, podendo prejudicar o estado nutricional da criança.

Excetuando a E. coli enterohemorrágica e algumas E. coli enteropatogênicas, exigem uma grande inoculação de organismos para produzir doenças, o que, explica ser a transmissão pessoa a pessoa menos comum. A ingestão de água ou alimentos contaminados é a maneira mais comum de infecção, principalmente se houver pouco cuidado na manipulação dos alimentos e com o tratamento dos esgotos. Nos Estados Unidos, o consumo de hambúrguer mal cozido é a causa isolada mais freqüente dos surtos das infecções pela E. coli enterohemorrágica, cujo serotipo 0157-H7 também pode ser transmitido pelas fezes de gado vacum, veados e outros ruminantes que podem contaminar alimentos e a água; nos Estados Unidos essa bactéria já foi encontrada contaminando cidras, vegetais crus, salames, iogurtes e a água de locais de recreação.

As Escherichias podem provocar outras doenças, como 80% das infecções urinárias em crianças e, principalmente em recém-nascido, septicemia (disseminação pelo sangue).

As medidas preventivas mais eficientes são a alimentação dos bebês no seio, atenção com a higiene pessoal, principalmente lavar as mãos, com água e sabão, antes das refeições ou após ida ao sanitário, tendo cuidado especial com as unhas das crianças que devem ser lavadas com auxílio de uma escovinha; lavar muito bem os alimentos consumidos crus (legumes, verduras e frutas que, quando possível, devem ser descascadas pela própria pessoa), deixando-os numa solução de água e vinagre; quem manuseia alimentos (merendeiras, cozinheiras, chapeiros de carrinhos de lanches, etc.) deve ter muito cuidado com o asseio das mãos e, quando indicado, usar luvas; ao comprar alimentos embalados, cuidado com a data do vencimento e com embalagens amassadas, enferrujadas, furadas ou rasgadas; somente comer carnes bem passadas, sem nenhuma parte ainda vermelha e leite cru nem pensar. As mãos também devem ser lavadas após os cuidados com os cabelos, depois de limpar o nariz, depois de pegar ou cuidar de animais e depois da jardinagem. Enfim, lavar as mãos é o ato mais simples e eficiente para evitar a disseminação de inúmeros parasitas.

Quem viaja para locais onde o saneamento básico e as condições de higiene são pobres deve tomar somente água engarrafada de boa procedência, evitar pedras de gelo, comer frutas que possam ser descascadas pela própria pessoa, não comer saladas e comer refeições cozidas ou assadas a grandes temperaturas servidas ainda quentes, pois, se assim não fizer, poderá engrossar as listas dos acometidos pela diarréia dos viajantes.  Use luvas ao cuidar do jardim ou outras plantações, principalmente se houver o uso de excremento animal (esterco). Alguns autores aconselham cuidado especial ao manusear batatas, rabanetes e tudo o que der embaixo da terra.

Começada a diarréia, dar à criança o soro hidratante oral aos poucos e procurar orientação médica. Se não tiver o soro comprado na farmácia ou o soro oral fornecido pelos Postos de Saúde, preparar e usar o soro caseiro que pode ser preparado facilmente usando como medida uma tampinha de metal de garrafa, sem a rolha ou o plástico, devidamente fervida: 750 ml (igual a três mamadeiras cheias) de água fervida ou filtrada, uma tampinha de refrigerante rasa de sal de cozinha e nove tampinhas rasas de açúcar. Também pode ser usada, se estiver à mão, a medida fornecida pela Pastoral da Criança.

Para alguns autores, entre os pássaros a Escherichia coli chega a ser mais importante do que a Salmonella. Não há correlação entre os serotipos de Escherichias que acometem os humanos com os que acometem os pássaros porque ainda não houve a tipagem dos parasitas nos pássaros. Acredita-se que os serotipos 01, 02 e 078 estejam entre os mais freqüentes. Do mesmo modo, a patogenicidade da E. coli entre os pássaros não está bem clara. Na parede intestinal o mais encontrado é a inflamação catarral não específica provocada por uma enterotoxina, a qual leva a grande aumento da exsudação de líquidos para a luz intestinal. Mas, o grande achado, o orgasmo dos patologistas, é a lesão histológica que caracteriza a inflamação serofibrinosa (a fibrina é uma substância proteica, filamentosa, elástica e esbranquiçada que se deposita pela coagulação espontânea do sangue, da linfa e de alguns exsudatos. Faz parte dos processos inflamatórios) encontrada, principalmente, nos rins e no fígado.

A inflamação serofibrinosa pode atingir outros órgãos como o olho (depósito fibrinoso na câmara anterior e uveíte), as serosas (membrana que envolve alguns órgãos como um saco e que secreta serosidade na sua face interna, o que facilita o deslizamento dos órgãos contidos nelas. São serosas a pleura que reveste os pulmões, o pericárdio do coração, o peritônio das vísceras abdominais e a túnica vaginal do testículo), as articulações e, mais raramente, o sistema nervoso central.

As lesões serofibrinosas podem atingir os sacos aéreos. A pneumonia é rara, mas pode haver rinite primária ou secundária a outro foco da infecção. Os filhotes têm maior possibilidade de contraírem a pneumonia pela inalação de poeira do ninho contaminada.

Os filhotes também são mais predispostos às infecções das articulações (juntas) e da medula óssea (o popular tutano) durante a disseminação das Escherichias pela via sangüínea (septicemia). A infecção dos órgãos genitais dos machos é mais rara, mas, atingidos os testículos, a esterilidade pode ser permanente. Creio que não precisamos queimar muito fosfato para atinarmos para a gravidade de uma infecção dessas num aviário grande ou com um manancial genético feito durante anos. Perdas qualitativa e quantitativa irrecuperáveis.

As fêmeas podem apresentar inflamação fibrinosa do ovário e/ou do oviduto, geralmente processo crônico que termina com a infecção progredindo até o peritônio e daí, amigos, babau e partir para outra como diria minha avó. O ovário pode ser atingido por bactérias vindas por via ascendente da cloaca ou de outros focos infecciosos principalmente dos sacos aéreos. Como as fêmeas somente possuem um ovário pode-se raciocinar que a esterilidade seja mais comum do que entre os mamíferos que têm dois ovários.

Algumas cepas de Escherichias podem destruir a parede intestinal formando ulcerações e a temível enterite pseudomembranosa ou ulcerativa, caracterizada por ulcerações cobertas por pseudomembrana formada por material necrótico e fibrina que se destaca em placas e que são vistas geralmente em exames pós morte. Outro aspecto patológico interessante é o chamado coligranuloma (formação tumoral de tecido conjuntivo jovem muito vascularizado formado no processo de cicatrização de uma úlcera ou ferida) encontrado na pele, no baço, no fígado, nos rins, no intestino; o centro do granuloma pode estar mineralizado.

Nas infecções limitadas à parede intestinal há diarréia líquida, amarelada ou esverdeada, algumas vezes com catarro e/ou sangue nas lesões mais profundas e ulceradas, aumento do volume urinário (interessante que, nas crianças diarreicas, há diminuição do volume urinário), perda de peso e, nos casos mais graves, grandes perdas proteicas com conseqüente caquexia (fraqueza extrema). A grande perda de líquido e sais minerais pode levar às desidratações. O pássaro apresenta-se triste, encorujado (sempre ouvi dizer que o pássaro encolhido e com as penas arrepiadas por frio ou doença estava encorujado. Agora vejo nos dicionários que os termos certos para essa postura dos pássaros são engrujado ou engurujado. Desculpem, Aurélio e Houaiss, mas vou no popular: encorujado porque parece postura de coruja), deixa de comer ou come muito menos e, se não for cuidado, corre grande risco de vida.

Nos quadros septicêmicos há esses mesmos sinais, mas com características mais graves e acompanhados de letargia (indiferença ao meio ambiente e sonolência). Nos quadros com rinite o pássaro mantém o bico aberto para ajudar na respiração e podem ser observadas secreções nasais. Nos acometimentos pulmonares o pássaro pode apresentar-se com a pele cianótica (azulada) e dispneico (não gosto de dispnéico, parecendo-me muito afetado), respirando mais rápido e/ou profundo. As lesões articulares e da medula óssea são muito dolorosas, obrigando o pássaro a pousar num só membro e ficar relutante em movimentar-se. As infecções dos órgãos genitais serão sentidas na falta de ovos férteis e nos bolsos. Na realidade, ganhando a corrente sangüínea (septicemia) as Escherichias podem provocar abscessos em qualquer órgão.

Agora vem um probleminha. O diagnóstico laboratorial, diferentemente do que se pensa, não é fácil. Nas infecções que envolvem fluídos normalmente estéreis, como a urina, o sangue, a bile, as secreções pleurais ou peritoniais e o líquor, o isolamente da Escherichia por cultura é um dado fidedigno, desde que a coleta do material seja tecnicamente perfeita. Mas, no caso da cultura de fezes, sabendo-se que as Escherichias são também comensais integrantes da flora intestinal normal, o furo é mais embaixo e os resultados pouco orientarão no diagnóstico; para isso seria necessário tipar a bactéria por técnicas sofisticadas, como a ampliação do ácido nucléico, na busca de genes de bactérias potencialmente mais virulentas, as quais, somente são disponíveis em laboratórios de ponta a custos proibitivos.

Portanto, amigo passarinheiro, não quero desanimá-lo, mas não fique confiando muito que uma cultura de fezes positiva para Escherichia, com antibiograma baseado nela, irá resolver o problema dos seus pássaros. Confie mais no olho clínico, na experiência e no taco do seu veterinário.

Como digo sempre, tratamento é campo dos veterinários. Os genes que codificam a virulência e a resistência da bactéria aos antibióticos estão no mesmo plasmídeo (parte extracromossômica da célula bacteriana portadora de informação genética). O recado genético é o seguinte: se for usado antibiótico inadequado, cria-se a resistência e agrava-se virulência bacteriana. Praga de sogra. Portanto, se for indicado antibiótico, deve ser o mais adequado e usado dentro dos padrões técnicos que favoreçam a sua eficiência.

O uso de antibióticos para evitar a doença somente irá selecionar as bactérias mais resistentes. Não posso deixar de falar, está dando cócegas. A enterocolite pseudomembranosa é um dos terrores dos pediatras. É determinada por bactérias anaeróbias, principalmente o Clostridium difficile, no decorrer ou alguns dias após o uso de antibióticos como a ampicilina, a cefalosporina e a amoxicilina, os quais, causando desequilíbrio na flora intestinal, favorecem o crescimento das bactérias patogênicas.

Tem alto índice de mortalidade. Volto a insistir: somente usem antibióticos com a orientação do veterinário e evitem usá-los profilaticamente. Hoje, na medicina humana, não são mais usados nas gastroenterites medicamentos adsorventes como o caolin-pectina (entre outros motivos, por espoliarem alguns eletrólitos como o sódio e o potássio) e  os antiespasmódicos como o elixir paregórico, o loperamide e o difenoxilato (diminuem a motilidade intestinal que é fator de defesa e prolongam o tempo de excreção de algumas bactérias patogênicas). O uso dos medicamentos contra vômitos é muito limitado (podem deprimir o sistema nervoso central do animal, piorando o quadro e dificultando a reposição do soro por via oral). Geralmente os vômitos melhoram com a hidratação. Creio que devemos seguir os mesmos preceitos com os nossos pássaros, inclusive para darmos exemplo mantendo posição ética com eles que somente nos alegram. Não temos o direito de agredi-los com baboseiras e que tais.

E daí, devem estar perguntando os passarinheiros, o que temos a ver com essa pendenga? Tudo. As Escherichias podem atingir o homem vindo dos animais (zoonose) e vice-versa para não ser injusto com os nossos pássaros. Portanto, além da importância do controle das Escherichias no plantel, as atitudes do criador passam a ter um sentido social mais amplo.

O controle é relativamente fácil. O principal modo de transmissão é o fecal-oral: saída dos parasitas pelas fezes, contaminação do meio-ambiente e entrada pela boca. Desconhecer esse princípio básico é dar mole para o bandido. Portanto, quase todos os cuidados citados aí em cima envolvendo o homem têm tudo a ver com os passarinheiros. Estão todos na mesma barca e o azar de um pode ser a desgraça do outro.

Especificamente, alguns cuidados podem ser tomados pelos passarinheiros para evitar que o seu criatório (criadouro. Na verdade, ainda não achei uma boa e definitiva palavra para definir o local onde são criados pássaros) torne-se foco exportador e importador de Enterobactérias:

  • Lavar rigorosamente as mãos com água e sabão, sabão mesmo, esfregando as unhas com uma escovinha antes de manusear as frutas, as hortaliças e a água que serão fornecidos aos pássaros. As mãos devem ser lavadas, sempre com água e sabão, antes e depois de manusear pássaros ou os utensílios;
  • Lavar rigorosamente, com água e sabão, frutas e as hortaliças que serão dadas aos pássaros e enxágua-las muito bem. Podem ser deixadas por alguns minutos em solução água e vinagre ou de hipoclorito de sódio, não se esquecendo de enxaguar copiosamente antes de dá-las aos pássaros. Pela simplicidade, creio que o lavar as mãos e as frutas e hortaliças já será uma grande ajuda no controle desses parasitas;
  • Oferecer aos pássaros somente água, no mínimo, filtrada. A água fervida seria mais seguro, desde que seja mantida no fogo pelos menos durante 20 minutos após levantar a fervura. Os mesmo cuidados devem ser tomados com a água para os banhos dos pássaros. Esfregar bem os bebedouros para remover o biofilme líquido que fica na superfície e que pode albergar muitas bactérias. O ideal seria ter jogos de dois bebedouros para intercalá-los diariamente, possibilitando a secagem completa de um dia para o outro do que não estiver sendo utilizado. É bom lembrar que as Enterobacteriáceas, como as Escherichias, adoram uma água, sendo mesmo conhecidas como bactérias dos meios líquidos e, para elas, qualquer filmezinho líquido é um piscinão de Ramos. Lavar, se possível de maneira individualizada, os utensílios também com água filtrada. Se for possível, pelo menos uma vez por mês, ferver os utensílios resistentes à fervura, principalmente as grades e as bandejas do fundo da gaiola. Se for organizada uma rotina, mesmo nos criatórios maiores as atividades profiláticas serão relativamente fáceis. Alguns criadores que dão sementes germinadas aos seus pássaros devem ter cuidado com a água usada para provocar a germinação. O mesmo cuidado deve-se ter com a água usada para umedecer as farinhadas;
  • A manutenção higiênica do prédio onde está instalado o criatório deve ser diária, evitando o acúmulo de dejetos e restos alimentares. Ter um jogo de mangueira, pazinha de limpeza, baldes, botas, vassouras, rodos, cestos de lixo, etc. somente para dentro do criatório. Se existirem mais de um ambiente, um jogo para cada um. Verão que vale a pena o investimento. O uso de detergentes e outros produtos de limpeza bactericidas deve ser feito com orientação técnica. Aqui não cabem improvisações. Ainda advogo o uso de vassouras de fogo tendo, é lógico, cuidado para não colocar fogo no prédio e nos pássaros. Sempre usei esse procedimento no canil e é tiro e queda. Nunca houve problemas com parasitas externos e, de quebra, elimino alguns parasitas internos que teimam em viver algum tempo fora do organismo. É método de fácil execução, rápido e não tem ação residual como os produtos químicos. Com técnica adequada não danificará paredes, desde que não se fique com o fogo muito tempo num só lugar como estivesse assando um churrasquinho, e, creio, poderá ser usada nas gaiolas de arame vazias. Tendo-se o cuidado de tirar os pássaros do ambiente, isolando-se as partes combustíveis das instalações, evitando-se a presença de líquidos inflamáveis, etc., o método é seguro. Aconselho procurar informações com alguém que já tenha alguma experiência para não cometer erros de principiante;
  • Tratar as fêmeas com Escherichia é essencialíssimo pela possibilidade delas infectarem verticalmente os filhotes;
  • Tratar os machos galadores infectados, pois, por ser comum usá-los com várias fêmeas (poligamia), poderão contaminar o plantel numa proporção geométrica. Não tenho qualquer dado sobre o assunto, mas seria esperada maior possibilidade de contaminação dos machos, devido às grandes aberturas do bico durante os cantos, pela poeira contaminada;
  • Manter em observação e isolados todos os filhotes nascidos de mãe e/ou pai contaminados. Os gaiolões com muitos filhotes funcionariam como creches ampliando a disseminação da bactéria;
  • Não caia naquela de dar antibióticos com finalidade profilática. São muito poucos os casos em que o uso profilático de antibióticos tem valor comprovado. E a Escherichia coli não é um deles. Fazendo isso você estará criando cepas resistentes da Escherichia, um problema para a sua própria família e para os seus pássaros. Cepas resistentes de uma bactéria que se propaga facilmente num canaril são pragas de sogra (só um xiste, porque a minha era ótima, não tenho queixas);
  • Muito cuidado com as fezes das aves. O papel do fundo da gaiola deve ser trocado diariamente. O costume de colocar várias camadas de papel não é bom, pois, o filtrado da parte líquida fecal pode levar os parasitas para a folha de baixo (lembrar que estamos lidando com seres microscópicos). Deve ser usada uma folha de papel e a bandeja deve ser limpa diariamente e colocada ao sol (para isso, seria bom ter, pelo menos, duas bandejas por gaiola). Individualizar as bandejas para evitar usar bandeja usada em gaiola de pássaro contaminado em a gaiola de pássaro não contaminado, criando, assim, condições para disseminação da infecção pelo criatório. Se você usa areia na bandeja, tenha muito cuidado, pois, se não houver troca constante e higiene impecável, será um meio propício para manutenção dos parasitas;
  • Muito cuidado com as gaiolas usadas para manter os machos ou levá-los aos torneios. Como ficam a maior parte do tempo fora do criatório, têm maiores possibilidades de ser depósitos de parasitas. São feitas de madeira, com muitos detalhes e têm muitas saliências e reentrâncias que facilitam a vida dos parasitas e dificultam higienizá-las. E, na maioria das vezes, não possuem grade separando a bandeja dos pássaros como acontece com as gaiolas de criação. Creio que, num futuro próximo, poderão ser substituídas por gaiolas feitas somente de arame;
  • As vasilhas  contendo sementes, farinhadas, minerais e água devem ser colocadas de modo a evitar que sejam atingidas pelos jatos evacuatórios dos pássaros. Inspecioná-las diariamente e, se estiverem sujas com excrementos, desprezar o conteúdo e higienizá-las;
  • Muito cuidado com os poleiros. Devem ser colocados de maneira que não possam ser sujos pelas fezes, pois, pelo hábito das aves limparem o bico neles após alimentarem-se, a contaminação será fácil;
  • Cuidado especial com pássaros trazidos de fora do canaril, mesmo que seja somente para uma galadinha. Fazer quarentena nem sempre é praticável. Se o galador vier de canaril que mantenha boas condições higiênicas tudo fica mais fácil. Seria ótimo os donos dos bons pássaros galadores manterem os pássaros em ótimas condições de higiene física, social e até mental, pois, eles podem representar um boa fonte de renda para abater nas despesas do criatório;
  • Com as aves adquiridas para compor o plantel a quarentena é obrigatória, a não ser que venham de criatório que mantenha rígidas condições de controle sanitário do plantel. Creio que a quarentena de três semanas seja suficiente para a maioria das doenças infecciosas. Não trazer o pássaro em gaiolas do criatório de onde o adquiriu. Manter o pássaro entrante fora das instalações que albergam o plantel. O ideal seria uma pessoa para cuidar somente dele e que não tivesse acesso ao criatório. Se não, usar luvas ou lavar rigorosamente as mãos, com água e sabão, após o trato e cuidados com os utensílios da ave em quarentena. Todos os utensílios, produtos alimentares, vassouras, pazinhas, cestos de lixo, etc. devem ser mantidos separadamente dos usados para o plantel. Ponto de água para lavar os utensílios separados. Muito cuidado com os excrementos. A quarentena deve ser para valer ou nem vale a pena ser feita;
  • Cuidado com os machos que vão a torneios ou a outros criatórios para coberturas. Seria interessante ter uma gaiola somente para torneios e outra para a manutenção do pássaro no criatório. Um apresentador de cães do nosso canil colocava nas guias dos cães que iam às exposições uma fitinha vermelha do Senhor do Bonfim; foi bom porque nenhum cão voltou contaminado das expos. Cuidado porque cavalo não desce escadas, como dizia o famoso colunista social carioca;
  • Levar água filtrada e/ou fervida quando for a torneios, evitando dar ao pássaro água da torneira sem as condições higiênicas seguidas no criatório. Se esquecer, é preferível dar água de garrafa tipo natural. Nem  para o banho deve ser usada água do local dos torneios;

  • Cuidado com a água do banho dos pássaros. Deve ser, pelo menos, filtrada e, sempre que possível, fervida. Tirar a vasilha logo que o pássaro terminar o banho;
  • Algumas vezes os parasitas podem ser trazidos para o criatório pelas patas de pássaros, como os pardais, ou das moscas. Telar as janelas, portas e as aberturas para a ventilação é medida heróica. Não deixar lixo ou restos de comida expostos é essencial porque eles atraem pássaros, moscas e predadores, inclusive ratos. Muitas plantas também são atrativos;
  • E sol, amigos, pois, onde entra o sol não entra o médico, ou o veterinário, como dizia minha avó. Locais escuros, muito quentes e úmidos jogam para os bandidos;
  • As medidas profiláticas são econômicas e, tornadas rotinas, de fácil execução. Servem também para evitar muitas outras doenças que infernizam os criadores, como as determinadas por outras bactérias intestinais (Salmonella, Yersinia e Campylobacter) e pelos protozoários intestinais.

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Fonte: Boletim Criadouro Campo das Caviúnas - nº 3 - maio de 2003

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