Por
Aloísio Pacini Tostes
A criação, ex situ, de pássaros canoros nativos brasileiros obteve um grande incremento a partir da década de 90, em especial depois da publicação das Portarias 131/88 e 118/98 do IBDF/IBAMA que regulamentaram a utilização de anilhas para os criadouros amadoristas e depois para os comerciais.
Com efeito, com muito custo, a partir dessa base regulamentar, os criadores vem desenvolvendo técnicas cada vez mais eficientes para melhorar seu manejo e para obter filhotes de alta genética com perfeita sanidade sem o menor auxílio ou estímulo oficial, pelo contrário. Antes porém, muitas pesquisas, dificuldades, erros e acertos.
É um trabalho complexo, não é como criar galinhas. Exige muita dedicação e determinação, uma verdadeira ciência. O fato de poder conhecer o comportamento diferenciado de cada espécie, de cada indivíduo, é um grande estímulo e motivo de muita paixão. Lógico que há uma base para todos mas cada tipo de pássaro tem um manejo reprodutivo diferente.
Na natureza, embora vivam em comunidade, em grandes bandos, ficam todos juntos só quando não estão em fase de reprodução. Pois, nossos pássaros nativos são monogâmicos, extremamente territorialistas, tanto os machos como as fêmeas, na época do choco. Por isso, não aceitam, nesses momentos, ficar ou se aproximar de outro diferente, independente do sexo.
Passam por um processo para formar o casal. Primeiro se conhecem no meio do bando, brigam entre si para escolher o parceiro, em seguida vem a corte que tem todo um ritual, namoram, depois escolhem a morada ou voltam ao território e logo vem a definição e localização do ninho. Aí, ficam acasalados e sempre juntos, se saúdam vocalizando (sussurros, corrichados e macheados), um protege o outro. Permanecem assim, enamorados com muito carinho recíproco, até o final do período reprodutivo. No próximo ano, nova batalha, novo processo ou para recompor o casal ou para formar novo par.
Essa é uma situação recorrente na natureza e que a princípio teria que ser adotada na criação em ambiente controlado para se obter sucesso na empreita. No início, a respeito desse tipo de criação havia muitas dúvidas, como fazer? Primeiro, pensava-se muito difícil, quase impossível. Poderia ser em grande viveiros, tentando recompor um ambiente natural, seria o melhor jeito.
Ainda mais, se o bicho (filhote) sobrevivesse seria um animal estranho, sem os instintos naturais e características da espécie. Um ser abobado seria produzido e não serviria para nada, um enfeite. Ora aparência para os passericultores de canto e fibra não tem a mínima importância. Sem dizer ainda que não sabíamos nada sobre manejo, não havia ninguém com experiência positiva para ensinar ou demonstrar algum tipo de sucesso. Essa era a consciência que tínhamos lá pelos anos 70.
Então, estávamos num “mato sem cachorro”. Isto porque já dava para sentir que os exemplares capturados na natureza começavam a escassear e já vigia a Lei de Fauna 5.197 de 67 que passou a considerar os animais silvestres como propriedade do Estado. Pela lei não se podia buscar mais pássaros na natureza, realmente um contrassenso e um crime ambiental.
Para “salvar a pátria” e encaminhar para melhor, surgiram então criadores abnegados, pesquisadores, inteligentes e verdadeiros “quebradores de lança”. Em primeiro lugar o Mestre Marcílio Picinini em Matias Barbosa MG, nos curiós e o saudoso Ernesto Scatena em Ribeirão Preto, nos bicudos.
Ai, começou-se a ter uma nova ideia sobre a criação doméstica, primeiro o estabelecimento da poligamia, depois a evidência que o bicho produzido não tinha nada de abobado. Herdava sim, as características dos seus genitores e conservavam o instinto selvagem e o comportamento inerentes às respectivas espécies. Está provado hoje que mesmo em décima geração conservam todos os atributos inatos a raça.
Ficou claro então que estávamos procurando o caminho do melhor manejo e que era possível produzir-se passeriformes com viés de comportamento para serem ótimos cantadores, valentes e fibrados como seu primo nascido em habitat natural com instinto silvestre.
O Marcílio ainda mais, contrariando tudo que existia, montou uma infraestrutura de prateleiras onde as curiolas ficavam lado a lado separadas por uma divisória de forma que no momento da gala o macho era trazido para fecundar essa ou aquela fêmea. Do mesmo jeito o Scatena fazia só que as bicudas ficavam em gaiolas piracicabas número cinco comuns no beiral de residência (bem mais rudimentar).
Esse tipo de processo revelou-se fundamental para uma boa produtividade e também para evitar-se a morte de filhotes porque na hora do nascimento o pai e a mãe ficam com o sentimento de proteção exacerbados e por isso entram em conflito por causa da proximidade que há com outro casal. Neste caso, passam na maioria das vezes, a se agredir mutuamente ou matam os respectivos filhotes.
Conclusão, a poligamia é um procedimento fundamental ao incremento da criação de passeriformes canoros em ambientes controlados. Quase todos os criadores a praticam e também por vários outros motivos. Levando em conta, inclusive que, as fêmeas por não estarem acasaladas mas com a libido em alta, na maioria das vezes, aceitam a gala de um macho desconhecido para ela.
Em nossa experiência na manutenção de pássaros constatamos que na fase de reprodução os machos dão pelo menos uma galada por dia em sua fêmea, notadamente quando acordam. Pegam-na quando ainda estão meio que dormindo, estejam ou não no cio. Na natureza, dá, também, para perceber quando ele voa mais para o alto ele a persegue e a agarra, os dois chegam a se embolar caindo alguns metros é o momento do ato sexual diário.
Na questão qualidade de canto é fundamental que as fêmeas fiquem longe dos machos porque como é complicadíssimo obter-se espécimes de canto clássico perfeito o nascituro não pode escutar um canto com detalhes, só a produção sonora que é editada sem qualquer impropriedade.
Bom lembrar, também, que criamos em recintos reduzidos e que o espaço tem que ser bem aproveitado, então, se usarmos cinco a seis fêmeas para um macho teríamos um ganho significativo, que muito representa em termos de custo fixo.
Todavia, há aqueles que preferem produzir com casais em viveiros grandes e isolados uns dos outros, desse jeito também pode dar certo, só que o manejo é bem mais complicado, a produtividade é prejudicada e os custos serão bem mais altos.
Quem não trabalha qualidade tem muita dificuldade em transacionar as crias, então, o importante de tudo é o desenvolvimento de altíssima genética a partir de um macho de reconhecida qualidade na modalidade requerida pelo criador (fibra, propensão para aprender canto ou repetição). Ele pode galar uma fêmea todos os dias, no máximo duas (excepcionalmente) durante toda a temporada de choco sem qualquer prejuízo a respectiva fertilidade.
Lógico, temos já a comprovação que referidos atributos e que se deseja são herdados. Para tanto, um raçador com as características exigidas tem alto preço no mercado além de difícil disponibilidade. Fêmeas de qualidade são sempre mais fáceis de aquisição, tem menor preço e bem mais ofertas.
Estamos falando, em especial dos pássaros: Bicudos, Canários da Terra, Curiós, Coleiros e Trincas. Produzir exemplares de qualidade, diferenciada, desses bichos, é o que mais estimula a reprodução em ambiente doméstico. Certamente por isso, a atividade vem cada vez mais despertando alto interesse nos aficionados por pássaros canoros brasileiros.
Passados apenas alguns anos, quem hoje, em sã consciência, teria interesse em um exemplar capturado, ilegal, de qualidade duvidosa, uma verdadeira perda de tempo, e mais oriundo do tráfico e assim o cometimento de crime ambiental.
Isto posto, fica bem claro que a busca da alta genética na questão comportamento dos passeriformes nativos é a maior arma que há contra o tráfico e que a prática da poligamia é um fator preponderante para o sucesso que a classe tem conseguido no verdadeiro uso sustentado de nossa biodiversidade.
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