Aloísio Pacini Tostes
Obter-se sucesso seletivo na criação é muito complicado porque não há certezas, é sempre uma probabilidade, um filho de campeão não nasce com um carimbo de que vai repetir o sucesso do pai. É sempre um grande desafio.
Muita gente fica preocupada quando se fala em aprimoramento genético em pássaros canoros brasileiros, e com razão. É preciso uma explanação minuciosa sobre o que estamos querendo dizer quando falamos nisso. É o que vamos explicar agora, inclusive, para que fique muito bem claro qual a nossa posição a respeito desse controverso assunto, sobretudo porque se trata do "uso" de um recurso natural de origem silvestre de forma sustentada, a chamada criação ex situ.
Vamos falar, primeiramente, na avicultura industrial, para abate ou para consumo humano. Ali, a necessidade da aplicação da engenharia genética é muito grande. É questão de sobrevivência. A carne de aves deve ser configurada como a mais barata possível, de excelente sabor, nutritiva e de baixa caloria. Os ovos também representam importante subproduto nesse mercado. Nosso país tem se aproveitado das condições ambientais aqui existentes para conseguir produzir essas aves com um custo baixo. Estamos cada vez mais empregando tecnologia de ponta para conseguir espécimes a preço competitivos oferecendo-os no mercado internacional. Até porque temos uma enorme produção dos insumos soja e milho base da respectiva alimentação balanceada.
As empresas que se lançam neste negócio precisam, todavia, desenvolver métodos eficientes de controle de custos, porque se não o fizerem logo terão que abandonar o empreendimento. No final, a economia conseguida se origina no aperfeiçoamento e no controle genético do plantel. Esse é o objetivo delas. É impressionante o que se tem conseguido em termos de redução de tempo de vida para o respectivo consumo humano, eram 60, agora são só 40 dias. E as galinhas que botam ovo de duas gemas, é incrível. São indivíduos especiais, segredos industriais guardados a sete chaves, como no caso do "chester", por exemplo. Um frango geneticamente modificado, com muita carne no peito e nas cochas.
Necessário falar, também, das aves ornamentais e exóticas para outros fins; Ninguém pode desconhecer, obviamente, a importância da questão para a avicultura doméstica e a geração de riquezas na produção de animais de estimação. Os criadores submetem seus plantéis a complicados métodos de seleção e aprimoramento genético, uma verdadeira ciência. O produto disso são aves que cada vez mais atendem aos interesses dos eventuais aficionados do mercado pet.
Especificamente quanto às mutações nas penas, ou seja, penas diferentes tendendo a cor branca, bicos e pés rosados e assim por diante. Nada mais é do que a fixação de um fenômeno natural o "albinismo" na medida em que se utiliza um espécime com essa característica diferenciada, na criação. Nos mutantes, a rigor, não há cruzamento entre espécies diferentes. Ocorre na natureza – um erro no código genético - e registrado em todos os tipos de animais, com maior predominância nas aves.
Então, a partir de um só exemplar com essas características, é possível dentro de pouquíssimo tempo obter-se um grande número de filhotes, porque essa propriedade é genética e recessiva. O certo e que, não há nesse tipo de criação nenhum tipo de necessidade de hibridismo ou alterações na forma dos indivíduos, o que pode inclusive ser comprovado com exame de DNA, se necessário. Em bicudos e curiós pouca gente está praticando esses cruzamentos, inclusive porque os objetivos são outros, o canto de forma enfática. Já no canário-da-terra, azulão, cardeal, em especial, muitos criadores estão tentando fixar as mais lindas mutações. A procura é grande e a facilidade na criação desse tipo de pássaro, também ajuda.
A ornitofilia sempre busca novidades em termos de cores, formas e cantos clássicos e que estejam à disposição dos interessados. É a busca do perfeito, do diferente e do que se adapta melhor ao gosto de cada um e assim por diante. São novas descobertas e novos cruzamentos sempre perseguindo o melhor. Esse lado do processo de reprodução é a grande mola propulsora que incentiva os criadores a se esmerarem no desenvolvimento de suas atividades para atender o mercado.
Quem não cuidar da qualidade genética de seu plantel estará exercendo um trabalho de pouca relevância para a criação. Na criação de exóticos, quando se quer realizar algo importante e lucrativo, a condução tem que ser a mais profissional possível, não há lugar para amadorismo. O emprego de cruzamento entre espécies e subespécies é muito utilizado, são intrincadas fórmulas que só muita prática, dedicação e organização para executá-las.
Já uma pequena parte de criadores de nativos excuta os cruzamentos entre subespécies e muito menos ainda entre espécies diferentes. Tem-se que ter muito cuidado para não produzir "fenômenos teratológicos". Todavia, como pesquisa, de repente, um cruzamento pode dar certo, pode melhorar a forma, a aparência ou o desempenho. Tem-se, sempre, que analisar o aspecto conservacionista, ético, legal e moral da questão. Além do que há a exigência de ser proibido o cruzamento de indivíduos interespecíficos. Saber, também, que esse pássaro não poderá de forma alguma ser solto na natureza. Só poderá servir para eventual uso doméstico, exclusivamente.
Porém, criação de canários domésticos o Serinus canária, utiliza essa prática ao extremo em todo o mundo. É a prática mais difundida entre os criadores. As respectivas exposições são centradas em avaliar e julgar os melhores espécimes mutados e aqueles que apresentam detalhes nas penas diferentes da cor natural. O que se quer é sair na frente e obterem-se exemplares os mais interessantes e os mais procurados possíveis. É esta a conjuntura desse segmento. É nessa linha que se desenvolve a criação há mais de 700 anos e que desperta interesse em milhões de pessoas em todo o planeta.
Será que para os criadores de pássaros canoros brasileiros haveria uma lógica diferente? O que estamos fazendo? Estamos, logicamente, seguindo a regra geral. Mas há uma diferença não é o fenótipo que se quer. Aí se mediará o comportamento ou o desempenho de cada um e isso requer uma característica não palpável, não está visível no indivíduo. É como se fossem cavalos de corrida, nem sempre o mais bonito, o mais elegante é o melhor corredor. A tarefa é conseguir o melhor pássaro, o mais cantador, o que tenha mais fibra, o que repete mais e o mais bonito de porte, talvez.
O que nos interessa, sobretudo, é o jeito de ser deles. O bicudo e o curió, notadamente, são pássaros que apresentam muitas particularidades a este respeito. Pelo que sabemos não há estudos aprofundados sobre essa matéria, em aves canoras. É um predicado muito complexo fruto de intricada junção genética e diferenciada de indivíduo para indivíduo, dois irmãos idênticos super parecidos fisicamente, se comportam de forma diversa. Obter-se sucesso seletivo na criação é muito complicado porque não há certezas, é sempre uma probabilidade, um filho de campeão não nasce com um carimbo de que vai repetir o sucesso do pai. É sempre um grande desafio.
Uma objeção que hoje está superada era a crença que um pássaro nascido em domesticidade não poderia competir com um exemplar selvagem por causa do nascimento em ambiente natural que lhe daria condições físicas e mentais ideais para ter um excelente desempenho. Ledo engano, está super provado que mesmo fruto da quinta ou sexta geração os indivíduos não perdem o respectivo instinto natural de sua espécie, é como se eles tivessem uma programação gravada em seus organismos. Além do que com os bichos de natureza, são ilegais, portanto sua utilização é crime ambiental, não se poderia trabalhar a qualidade intrínseca dos campeões e fazer uma seleção a partir de pássaros diferenciados de reconhecida competência.
O que diz respeito às aves de fibra, há muitos criadouros atendendo a esta modalidade. Os de fibra, são aqueles que cantam destemidamente, são aqueles que são capazes de vencer desafios de canto e que logram sucesso nos torneios de fibra que mede quem canta mais, independente da qualidade após um certo tempo de disputa. É um predicado muito complicado para se avaliar, a melhor forma é observar os resultados, embora saiba-se que o manejo adequado tem fundamental influência no processo.
A tarefa de conseguir um pássaro com viés de fibra por exemplo exige que o criador tenha matrizes que possuem essa marca o que não é fácil, porque nem sempre um macho bem bonito, cantador e repetidor gera um filhote de fibra. É preciso avaliações futuras e saber dos resultados das crias. São pássaros maravilhosos, os mais mansos, os mais adaptados, os mais fáceis de serem treinados, os mais valentes, os que cantam mais intermitentemente nos torneios.
Então, o criador que quiser produzir excelências em fibra tem que ter o maior cuidado com a escolha do plantel, não pode incluir, principalmente fêmeas que não sejam de conhecida genética sob risco de contaminar o plantel com bichos submissos e que não aguentam cantar de cara numa roda de fibra, lembrar que são algumas horas de disputa, difícil demais. Em geral não se divulga e não se dá a importância devida às fêmeas (o que é uma incongruência) porque elas têm parte igual da carga genética a dos machos no produto gerado. Também não é verdade que ela tem mais importância que o macho, a experiência tem confirmado que há uma equivalência. Daí inclusive a importância da confirmação de genotipagem e se saiba o CIG (código de identidade genética) e o grau de parentesco com plantel matrizeiro (machos e fêmeas) que se quer utilizar. Num futuro próximo se poderá através da análise da "similaridade genética" identificar matrizes que tem essa ou aquela aptidão.
Hoje nos melhores criadouros, utilizam-se muito a consanguinidade para aproveitar a qualidade de um campeão, como também para resguardar o patrimônio hereditário de uma excelência. Levando em conta, inclusive que na natureza há um elevado nível de endogamia. Este procedimento tem dado certo por algum tempo mas há o problema dos genes deletérios que podem surgir e a questão sanidade fica também abalada, não se sabe direito das consequências que esta prática pode trazer para o futuro do plantel. Ao longo do tempo há de se preocupar com essa questão.
A verdade é que a prática de produzir filhotes de alta genética em fibra está ainda começando, há poucas raças em evidência e as raízes que mais se sobressaem são poucas e parte de no máximo meia dúzia de machos e fêmeas. Será preciso que doravante surjam outras raças para que se possa miscigenar indivíduos e se tenha ótima qualidade e uma sanidade desejável, importante haver um "refrescamento" no plantel. No entanto, quanto mais se tiver informações sobre os ascendentes melhor, porque qualquer "furo" ou a inserção de um pássaro matriz de pouca fibra pode contaminar o plantel e aí não se conseguirá obter uma excelência.
Lembrando que para a fibra não se importa primeiramente com a qualidade do canto, de repente se perderá uma excelência em fibra porque se levou em conta a beleza do canto. Tem que haver a opção para a fibra o canto é está em segundo plano, essa deve ser o pensamento dos criadores que se dedicam a essa prática.
O que se procura é errar menos, por isso não se pode conviver com ilusões ou com informações duvidosas. Tudo tem que ser muito bem programado, em especial nos grandes criadouros porque a qualidade das crias será o melhor marketing para futuras transações. Cruzar "tatu com cobra" (termo usado para identificar produção de pássaros onde não se conhece direito a qualidade dos ascendentes) dá o mesmo trabalho que os de boa qualidade e com as crias só serão provavelmente transacionadas a preço vil, a demanda é quase nula para esse tipo de pássaro. Há outro problema os pássaros reprodutores podem produzir durante anos a fio e em pouco tempo pode-se formar um plantel enorme, se não houver qualidade se estará diante de uma grande enrascada, não se terá a demanda desejada.
Com respeito ao canto, são inúmeros dialetos em seu estado natural. Daí, já começa outra complicação. Os estilos de cantos mais bonitos e valorizados são os mais requisitados para a reprodução para quem gosta da modalidade da qualidade de canto. É preciso ter-se cuidado para se obter crias que estejam em condições de emitir excelente canto. Os machos de canto indesejável são afastados das fêmeas mães logo após a gala, quando utilizados. Isto porque a maioria dos filhotes aprende ainda no ninho o dialeto de canto do pai. O canto não é genético, é um processo de aprendizado, então o manejo é o que mais importa no encartamento de canto. Já a propensão para aprender sim, depende das linhagens, algumas não tem esse viés. Aí é que está a habilidade do criador e a sua perspicácia em escolher as matrizes de sucesso comprovado.
Dito isto, vem a outra questão importante é a do pássaro repetidor - aquele que canta a frase musical por várias vezes sem interrupção - chegam a cantar até 3 minutos sem parar e é um predicado genético. São muito valorizados, são muito desejados. Não vale a pena a reprodução se não se conseguir pássaros repetidores, mesmo que não seja de muitas repetições. Não interessa a ninguém. Se o pássaro emitir um canto só ou dois, pode ser o que for para canto ou para fibra que serão logo descartados. O canto fica enjoativo e o pássaro não tem produção, mesmo na fibra, para concorrer com aqueles que repetem.
O que está se fazendo, então. O bom criador procura juntar predicados, o canto, a fibra e a repetição tomando-se os devidos cuidados conforme a ênfase que se dá na busca de excelências de cada uma das modalidades. Assim, provavelmente conseguirá pássaros de excelente qualidade e que poderão ser transacionados com muito mais facilidade. Isto é obtido com a utilização de campeões famosos na reprodução, na procura incessante dos melhores raçadores. É quase que uma obrigação dos passarinheiros colocar seu pássaro campeão para reproduzir. Ainda bem que isto está efetivamente acontecendo. Produzir filhotes de pássaros que não se sabe a origem é perda de tempo e de recursos, além da eventual ilegalidade. Daí, também vem a importância de não se ficar olhando para o próprio umbigo, há de se avaliar o que está evoluindo e qual genética está sobressaindo em torneios oriundas de outros criadores. Então, é correto fazer novas aquisições para acompanhar o sucesso e não ficar a reboque com excesso de confiança que muitas vezes só traz mais retrocessos.
Muito bom. Essa é a realidade. São milhares os exemplos dessas ocorrências. É uma realidade benfazeja, essa evidência é que nos tem ajudado. Demonstram sobremaneira porque um crescente e quase total desinteresse por espécimes de origem silvestre. A prática de torneios estimula o grande volume de produção de pássaros, e certo. Diante disso, sob a monitoração do poder público haverá a possibilidade que, num futuro próximo, desde que necessário, se faça reintroduções em locais devidamente adequados e protegidos.
Finalmente, o trabalho, ora desenvolvido pelos criadores do Brasil se torna um exemplo para muitos outros Países que não tem a preocupação que temos tido com a respectiva biodiversidade. Essa é a contribuição que estamos tentando dar na criação ex situ de forma sistematizada, exercendo o uso sustentado e o consequente trabalho de conservação. Entretanto, não podemos esquecer os cuidados que se deve ter para buscar um imprescindível e necessário aprimoramento genético.
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