Lista PET, uma interminável e questionável discussão!

Por
Ary Soares – Analista Ambiental do IBAMA/GO.

Dando prosseguimento ao debate sobre a Política Nacional de Fauna Silvestre e sobre a “Lista PET”, o Blog publica, com exclusividade, uma excelente reflexão do ex-superintendente do IBAMA/GO (2004 a 2011), Ary Soares. Além de ser um profundo conhecedor do tema, Ary Soares, durante o período em que ocupou a Chefia do órgão em Goiás, implementou diversas e importantes iniciativas para a conservação da fauna silvestre no estado. Aproveito a oportunidade para agradecer publicamente a todos que enviaram suas opiniões sobre a publicação anterior, contra ou a favor. Informo ainda que todos os comentários precisam ser necessáriamente moderados e aprovados por mim e, democraticamente, li e aprovei todos, integralmente. Boa leitura!  Dener Giovanini

PET é a especificação de animais silvestres criados ou com potencial de serem criados como bichos de estimação pelo ser humano. Lista PET é a titulação de um debate que tem colocado de lados opostos criadores comerciais desses animais, o Governo, por meio do IBAMA (que ainda coordena o debate) e aqueles que são contra a criação das espécies silvestres com fins comerciais, bem como sua posse por humanos.

Não vou aqui entrar nas minúcias do embate entre favoráveis e contrários à criação com fins comerciais, tal embate, dentre tantas outras analises, é tratado com maestria por Dener Giovanini no artigo: O tráfico de animais silvestres e os criadouros da fauna brasileira. Faço aqui, um convite para que adentremos os aspectos legais que sustentam ou deveriam sustentar a definição da esperada Lista PET.
O convite é para uma analise para a qual eu já tenho opinião formada e que estou disposto a reformulá-la, se alguém, com contra argumentação com base nos aspectos legais, convencer a mim de outra interpretação. Aos fatos:

Em novembro de 2007, o Conselho Nacional de Meio Ambiente – CONAMA, por meio da Resolução 394, com o objetivo de disciplinar a criação comercial de animais silvestres, determinou que o IBAMA procedesse em um período de seis meses, a lista das espécies silvestres que poderiam ser criadas e comercializadas. O prazo caducou, portanto há mais de cinco anos! Neste intervalo de tempo caducou também a legalidade do ato em si.

Por razões que desconheço o debate ainda prospera com a interveniência do órgão federal mesmo após a edição da Lei Complementar Federal 140/2011. Esta LC 140/2011 teve o mérito de encerrar indefinições e sobreposições de atuação dos órgãos ambientais em seus diferentes níveis federativos, ela é resultado de um longo debate sobre competências dos órgãos ambientais municipais, estaduais, do Distrito Federal e da União, órgãos que compõem o Sistema Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA. Foi a solução negociada no parlamento para por fim aos conflitos que tiveram origem na Constituição Federal de 1988.

Antes da promulgação da LC 140/2011, a responsabilidade pela ação ambiental (comando e controle) era comum entre os componentes do SISNAMA sendo a gestão do recurso natural fauna competência do órgão federal (IBAMA). Após a LC 140/2011, o comando e controle, ou seja, autorização para acesso aos recursos naturais e a fiscalização sobre tal acesso, deixou de ser comum e passou a ser objetiva, isto é, de competência especifica de determinado componente do SISNAMA, com níveis de ação claramente definidos nesta Lei. Salvo alguns aspectos ainda a ser regulamentado no âmbito dos conselhos Estaduais de Meio Ambiente e das Comissões Tripartites, como por exemplo: tipologias de licenciamentos que são de competência dos municípios.

O comando ou autorização para uso (licenciamento) relativo à fauna encontra-se claramente amparado na LC 140/2011, e nele, em meu entendimento, não cabe mais a interveniência do CONAMA e do IBAMA. A elaboração de uma lista PET desde então, é de competência dos Estados! Ao IBAMA cabe elaborar a lista das espécies ameaçadas de extinção. A titulo de facilitar a presente argumentação compilo o que expressa a LC 140:

Art. 8º –  São ações administrativas dos Estados:

XVIII – controlar a apanha de espécimes da fauna silvestre, ovos e larvas destinadas à implantação de criadouros (grifo nosso) e à pesquisa científica, ressalvado o disposto no inciso XX do art. 7o;”. Claro está, que a questão de fauna relativo a criadouros e que leva a uma eventual “lista PET” é atualmente competência dos Estados!

Ao IBAMA cabe o cumprimento de outros aspectos da Lei, nesta temática, no que tange às espécies ameaçadas de extinção, à introdução de exóticas e a exportação “de componentes da biodiversidade”:

Art. 7º São ações administrativas da União:

XVI – elaborar a relação de espécies da fauna e da flora ameaçadas de extinção e de espécies sobre-explotadas no território nacional, mediante laudos e estudos técnico-científicos, fomentando as atividades que conservem essas espécies in situ;

XVII – controlar a introdução no País de espécies exóticas potencialmente invasoras que possam ameaçar os ecossistemas, habitats e espécies nativas;

XIX – controlar a exportação de componentes da biodiversidade brasileira na forma de espécimes silvestres da flora, micro-organismos e da fauna, partes ou produtos deles derivados;

A competência da União ficou estabelecida para listar espécies ameaçadas e ainda, fomentar “as atividades que conservem essas espécies in situ.”, nesta tarefa, fomentar a conservação “in situ”, uma parceria com criadouros comercial e ou conservacionista pode ser estratégica, ajudando a diminuir tempo e reduzindo custos na criação e reintrodução na natureza de espécies ameaçadas de extinção, um exemplo: o pássaro canoro bicudo (Sporophila maximiliani.), altamente ameaçado na natureza e que procria com facilidade nos criadouros comerciais.

Não cabe, esta bem claro, à União (IBAMA), listar as espécies com interesse comercial, esta competência esta bem definida como sendo dos Estados. Mesmo quando a LC 140/2011 ainda mantém uma ressalva que possa incitar dúvidas (inciso XX do Art. 7º. – controlar a apanha de espécimes da fauna silvestre, ovos e larvas), leva a entender que se trata de atender as demandas de fomento e não deve ou não deveria servir de empecilho para o estabelecimento de criadouros comerciais.

Antes que os contrários ao entendimento aqui exposto tentem se ancorar em aparentes dubiedades do texto legal, quando a Lei diz em “controlar a exportação”, ela se refere especialmente às espécies nativas que não tem origem em espécimes oriundos de manejo. Ressalto para exemplificar, que o IBAMA não autoriza corte de madeira (salvo em áreas por ele licenciada, como hidrelétricas na Amazônia Legal, por exemplo), entretanto o órgão tem a missão, juntamente com os Estados, de também combater os produtos de origem ilegal e para isso baixa normas para a exportação de madeiras nativas.

O combate à ilegalidade é, aliás, uma defesa firme e irretratável de toda a sociedade, em especial daqueles, como a maioria dos criadores comerciais, que se submetem às mais complexas e onerosas exigências para manter seus negócios em funcionamento. Infelizmente, ainda temos uma cultura nos órgãos de fiscalização de atuar com mais competência e agilidade sobre os empreendimentos que ao menos em algum momento se submeteram ao crivo do órgão fiscalizador. A fiscalização firme e constante dos criadouros de fauna comprova tal afirmativa. Afinal, o traficante somente passa a ter endereço e CPF quando é flagrado, bem diferente de quem opera na legalidade.

Sempre me posicionei por maior flexibilidade na elaboração da pretensa lista, posicionando incluso contra os argumentos de alguns colegas que alegavam ser preciso “um freio de arrumação”, com a defesa de uma lista mínima ou mesmo “lista zero”. Os defensores desse “freio de arrumação” ainda se baseiam em parte na incapacidade de efetiva fiscalização dos órgãos competentes. Sempre defendi que um ordenamento amplo e transparente, que favoreça a competência dos eventuais interessados, é a melhor forma de fiscalização, pois amplia a oferta de origem legal tanto para o mercado local como para exportação, diminuindo automaticamente a pressão sobre o estoque silvestre (o caso dos jacarés-do-pantanal relatado por Dener exemplifica bem isso).

Portanto, reafirmo que a tal Lista PET, discussão que interagi oficialmente enquanto superintendente do IBAMA, tornou-se quanto ao órgão normatizador, inapropriada e sujeita a questionamentos por parte do publico interessado, seja este público contra ou a favor da lista ampla ou reduzida que esta por ser editada, pois salvo as espécies ameaçadas ou exóticas, a competência de normatização cabe aos Estados. Se os Estados estão aptos ou não a assumir tal responsabilidade é outra questão.


Ary Soares – Analista Ambiental do IBAMA/GO. Especialista em Gestão de Áreas Naturais Preservadas e em Avaliação de Impactos Ambientais e Mestre em Geografia (Apropriação do Espaço no Cerrado).


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Fonte: http://blogs.estadao.com.br/dener-giovanini/lista-pet-uma-interminavel-e-questionavel-discussao/ - Acesso em: 10 de abr. 2013.

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